Um jRPG diferente.
Poderia ser um livro infantil, um pequeno desenho animado ou um conto de fadas, mas a Ubisoft Montreal resolveu diversificar sua produção e apostou em um gênero um pouco relegado na geração passada para entregar o competente Child of Light, o outrora consagrado JRPG. Misturando mecânicas clássicas do gênero com arte renascentista e boa música, somados a pitadas de A Bela Adormecida, clássica história já contada por diversos autores como Charles Perrault e os Irmãos Grimm, é notável o cuidado e o esmero que a empresa teve com cada elemento incluído no game.
A citação à clássica história não é uma mera coincidência: após o segundo casamento de seu pai, um poderoso duque austríaco, Aurora (princesa de mesmo nome) quase é assassinada por sua madrasta, causando profunda tristeza em seu pai, que pensa que ela está morta sem notar que o mal está, na verdade, ao seu lado. Enquanto dorme inerte, Aurora acorda com seu outro eu em Lemuria, um universo paralelo cheio de perigos fantasiosos, e conta com ajuda de estranhos que cruzam seu caminho e se juntam a sua jornada, cada um com sua motivação pessoal, para retornar ao seu mundo.
Todas as características em essência do gênero RPG japonês estão lá: batalhas por turno, exploração de mapas, pontos de experiência, itens que vão dropando e que podem ser upgradeados com peças que você também encontra pelo caminho, chefes mais fortes e intimidadores, diversos tipos de cenários, além de textos e mais textos que aprofundam tanto os personagens quanto a história daquele sombrio e misterioso lugar.
As batalhas são acessadas caso você encoste em um inimigo pelo mapa (nada de batalhas aleatórias) e funcionam por turnos, cada um atacando no seu tempo através de uma fila que corre por uma barra de tempo de ação. Se você for acertado ou acertar alguém enquanto o outro está executando sua ação, além do dano que causar, você também interromperá tal ação, empurrando a vez do acertado para trás na barra.
Este é o básico para o sistema de inteligência de Child of Light: saber o momento de acertar, de se defender, de se curar etc. Há ainda um pequeno ser azul, chamado Igniculus, que serve tanto como guia para Aurora na parte de exploração como ajudante na parte das batalhas, reduzindo a velocidade de inimigos ou curando aliados, dependendo do modo como você quiser utilizá-lo (inclusive, um segundo player pode controlá-lo em um cooperativo local nos consoles).
A exploração é feita toda em 2D por mapas belíssimos através daquela aquarela que a engine de Rayman, criada pela Ubisoft, permite criar. É praticamente unânime a beleza do jogo, desde as animações suaves até as cores bem definidas e pintadas com cuidado pela equipe de produção. O modo como o cabelo de Aurora se move, seja explorando ou lutando, merece um destaque a parte. A arte foi inspirada em pinturas do ilustrador sueco John Bauer, como mostra a imagem abaixo.
Praticamente não há loading entre os cenários (testamos a versão de PS4), mesmo sendo imensos e variados entre uma cutscene e outra – tudo traduzido magistralmente em português, o que ajuda bastante na compreensão da rimática história; escolha de coragem da Ubisoft, em um mundo cada vez mais cínico, retornar à inocência das rimas para contar um conto de fadas, algo cada vez mais raro de encontrar aceitação no público.
Em outras épocas, RPGs eram sinônimos de longas jornadas. Child of Light deixa de lado esta premissa e abraça uma história mais curta, em torno de 15 horas de duração, explorando bem os cenários em troca de uma experiência menos cansativa para o jogador. O jogo é bem fácil no normal, se as táticas corretas forem rapidamente percebidas. Apenas no Hard você encontrará alguns Game Overs pelo caminho, então regule a dificuldade de acordo com seu gosto e boa jornada, mas este talvez seja seu maior defeito: cria um sistema até bacana, mas raso e óbvio demais.
Embalado por canções marcantes interpretadas pela canadense Cœur de pirate, Child of Light é um jogo marcante, ainda que limitado. Usado talvez como termômetro pela Ubisoft para medir a aceitação para esse tipo de game (foi um sucesso, saiu para praticamente todas as plataformas disponíveis), fica a torcida para que as empresas (não apenas a Ubi) vejam que as pessoas estão dispostas a consumir RPGs no estilo clássico, sem muita frescura ou inovações do que estão acostumadas. Quando forem bem cuidados como Child of Light, é claro.
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